TV, Insensato Coração, Ti Ti Ti e os gays

É do entre ouvidos que nasce este post.

Relato revoltado de Ernane Pereira, amigo meu: “Três rapazes discutiam, bravos, hoje num MC Donald’s cenas de ‘Insensato Coração’[TV Globo, 21h] em que Natalie Lamour [Deborah Secco] chama o amigo gay  Roni Fragonard [Leonardo Miggionrin] de bicha o tempo todo”. “Concordo com eles”, segue Ernane. “A TV não pode reproduzir figuras estereotipadas”.

André Arteche (Julinho) e Gustavo Leão (Osmar) formam par romântico em Ti Ti Ti

“É complicado para nós gays termos que ouvir e assistir a esse tipo de cena juntamente com a família, jantando às 8h da noite”, diz Pereira.

“Imaginem sua mãe, pai, sobrinha, irmãos que nunca te chamaram de ‘bicha’, vendo e entendendo isto de forma pejorativa. Por mais intimidade que a nossa família tenha com o nosso meio, não compreendem este tipo de apelido, que de carinhoso não tem nada”, reclama irritado.

Tem razão?

Interessante que Maria Adelaide Amaral, heterossexual, autora de remake de Ti Ti Ti, trata da questão com mais sensibilidade, coragem e livre de clichês que Gilberto Braga, gay, co-autor de Insensato Coração.

A homofobia, às vezes introjetada, age mesmo dentro das comunidades LGBT.

Neste caso ainda pior por se tratar de novela, produto cuja preocupação é entreter e, se der, provocar reflexão, tentando não causar rejeição. E aí é que mora o perigo. O autor, apesar de gay, escreve, inconscientemente, mediado pelos valores negativos incutido numa homofobia introjeda, que é, de forma tácita, aceita socialmente.

Mais: quando ouço “bicha” pra cá e pra lá de Natalie fico pensando em quanto – e se – reforça a redução do gay a gay. Quero dizer: Roni deixar de ser a multipersona que é para assumir apenas uma personagem: o gay.

Trazendo à vida real, Natalie reforçaria em Roni o que ocorre além da teledramaturgia: reduzir pessoas LGBTs a meramente LGBTs. É a metonímia humana: a bicha.

E aí realmente é um problema sério, porque, vindo de algo que, culturalmente, legitima comportamentos, termina reforçar a redução identitária das pessoas.

Mas, sinceramente, ainda não tenho a questão fechada na minha cabeça. A relação mídia/público não é linear, nem vertical. Também não sei se o ideal é querer uma visão tão higienizada quanto a representação da comunidade LGBT, sob o risco de desembocar no mesmo padrão hétero, sexista e de gênero.

Na própria comunidade negra, existem os que se chamam de negão. Eu tenho uns amigos pelos quais, às vezes, chamo de negão… e até de “preto safado”. Tenho a noção de que a expressão surgiu carregada de preconceito – e ainda é em determinados contextos. No entanto, talvez o caminho seja o da apropriação e seu esvaziamento.

Em tempo: em Ti Ti Ti a personagem de André Arteches, o Julinho, é tão interessante que não é reduzida à bicha – aliás, nunca ouvi referirem-se a ele assim.

O vídeo a seguir mostra justamente que o ser humano é multipersonas. Passa a mensagem de que ninguém é reduzido à sexualidade.

Veja:

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4 pensamentos sobre “TV, Insensato Coração, Ti Ti Ti e os gays

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